Tenho uma cave de caixotes cerrados
Devidamente empilhados
Ordenados na cronografia de um rosto
Tenho uma cave de faces vendadas
Vedadas figuras
Solenes na aparência de um mundo
Tenho uma cave de incómodos silêncios
Indevidamente calados
Amordaçados silenciosamente
Ocultados no culto de um nome
Tenho uma cave de proscritos propósitos
Esquecimentos propositados
Inoportunos incêndios
Imolados em fogo-algum
Tenho do tempo a insanidade
E na cave para nós o reservado espaço
.
Qual caixa de Pandora, onde o poeta vai guardando os seus medos, ritos e mitos de uma vida.
ResponderEliminarGostei
Recortes de um tempo proscrito
ResponderEliminarsilêncios de imolada insanidade...
Obrigada, Filipe, por partilhares com o leitor
este poema prodigioso.
Bom fim de semana
Simplesmente magistral este teu poema,não somente
ResponderEliminarno conteúdo,mas a forma dita poeticamente...
O espaço da memória recriado e organizado interiormente como caixas do
tempo-vida inscrito e proscritos em silêncios de mudos gritos questionados
do cenário mundo...
Mas existe no tempo, o milagre do esquecimento
para tudo de menor valor...
Para mim, apreciadora da poesia essencial, ler-te
torna-se um momento único,inscrito em minha alma...
Bjo.
Ps: Senti a musicalidade do poema e pensei na beleza deste declamado...
Todos nós temos uma cave.
ResponderEliminarE o seu “recheio” diz muito de nós…
Uma cave
ResponderEliminarcom caixotes trancados,
lacrados pela mente:
aquilo que podia e não foi,
aquilo que foi e não era para ser,
aquilo que era para ser e não deu tempo
Tudo numa cave
seguro
guardado
lacrado
conservado
esquecido, vencido, submergido
num egoísmo interno
das coisas que não serão
e que nunca se libertarão
mas
há uma música na cave
onde só dois poderão ouvir
no espaço reservado
na cave com caixotes lacrados
pela vida inteira
dum coração....
Memórias, esquecimentos, rostos, aparências, propósitos,sonhos, silêncio... Quantas caves não existem na geografia de uma única pessoa? E quando o poeta entreabre uma de suas caves, algo desconhecido se move no fundo de nós, e nosso relevo se modifica. Teus versos tiveram esse efeito em mim.
ResponderEliminarAbraço!
Tenho do tempo a insanidade
ResponderEliminarE na cave
para nós
o reservado espaço
A sua poesia me encanta, Filipe.
Beijo.
Na memória cada traço
ResponderEliminarCada lembrança
Cronologicamente guardada
(empilhamos em nós sentimentos e momentos)
Sílaba incógnita
Som calado em escondido sonho
Exilada vontade
Nascida em insanidade
Mas um espaço que aguarda ainda neste tempo.
Uma poesia em fracções de um passado, mas também de um futuro.
Pergunto-me, se sabes como a tua poesia tem o poder nos abrir “portais”
Adorei, este poema.
(não só este:)
Beijinho
Caves me remetem ao inconsciente, todos temos caves, precisamos tê-las, mas as vezes, não conseguimos nos comunicar, e precisamos destes espaços, para poder habitar, mas precisarmos poder circular entre elas também, tão complexo poder comunicar isso, acredito que você conseguiu alcançar...
ResponderEliminarUm abraço, poeta
Querido Poeta
ResponderEliminarAs recordações são a bagagem que teremos que carregar pela vida fora...são a pele que vestimos e a essência da nossa alma.
Como sempre fico sem palavras perante o teu talento de descrever sentimentos.
Um beijinho
Sonhadora
Filipe, meu caro poeta Filipe, necessitei de muito silêncio para estar aqui, quando eu digo estar aqui, quero dizer, para registrar algo minimamente inteligível no seu blogue - durante todo o tempo não saí do Porta-Sonhos, mas mantive-me em silêncio. Porque eu não queria macular com minha verve prolixa, o sagrado do poema, porque eu não queria soltar as asas dos sonhos que a sua poesia inventou em mim, porque eu não queria desocultar todo o (meu) sentimento que ele revolveu, porque eu não queria ter que escutar o que propositadamente deixei cair no esquecimento. Mas não adiantou nada, o tempo todo o poema me consumia, me provocava, me dizia, exigia uma postura, uma assunção, e não deu mais para fugir dele, disso...
ResponderEliminarEstranhamente o texto se transmutava a cada leitura, pois em seguida necessitava de uma releitura, e nesse desespero poético debrucei-me incessantemente na métrica, na estética, na arquitetura do poema, para afastar-me da insistente voz do meu eu-lírico, que se viu frente a frente com o meu eu-real. De nada adiantou, e fiquei vagando entre "os caixotes empilhados na cave", tentando apagar o incêndio devastador que mais uma vez a sua poesia me causou.
Ler-te é sempre um exercício de dilatação, transmutação e elevação da alma, entretanto, ler-te neste poema, fez-me entender da minha inexorável condição de humana, de todos os paradoxos que encerro e do quanto cada poesia tua inaugura novas sensações em mim... Obrigada por ter reacendido tantas memórias.
P.S.
Não consegui mais uma vez, ser sucinta (sua poética não deixa), perdão!
Fico feliz pelo poema que me diz
ResponderEliminarque nessa cave de arrumações
existe espaço reservado
para dois. :-)
(eu tenho sótãos, arrecadações e neles embalados tantas lembranças, sorrisos, emoções...
(ando um bocadinho parva e as palavras saem em rima e depois não me apetece emendar, lol mas são sentidas estas palavras escritas :-)
Bjs
Restou um espaço reservado...Muito bonito, Filipe. Beijo!
ResponderEliminarFilipe,
ResponderEliminarVim para agradecer seu comentário no meu outro espaço Diálogos coma Psicologia e a Psicanálise. Não sei se fez o link que sou a responsavel pelo espaço do PALAVRA DE MULHER e deixei um comentario anteriormente aqui com meu nome completo.
Abs, poeta
Uma cave onde se guarda emoção transmitida por enorme talento.
ResponderEliminarUm melodioso poema com uma energia vibrante.
Cheguei aqui por acaso...e ainda me sinto em estado de contemplação.
ResponderEliminarQue nessa cave guarde sempre um espaço, para a insanidade dos seus sonhos...
Abraço!
Imagino... o rasgo, a violência e a coragem, de uma descida assim...à cave.
ResponderEliminarReconheço... A força tremenda, a profundidade e densidade, do espólio que nos é deixado...!
Abraço
Um poema com uma estrutura em crescendo, começando pelo objeto (caixotes), passando à pessoa, referindo o exterior (faces) como ponte de passagem (ou reflexo do espelho) para um interior pensante (incómodos silêncios, proscritos propósitos)…Através desta estrutura cuidada mas criteriosa com vista à mensagem, o sujeito poético vai libertando os seus incómodos e a sua incomodidade... Apesar do tempo, a memória não deixa esquecer o que (nos) marcou!
ResponderEliminarMais uma vez te deixo a minha admiração: um poema soberbo, poderoso…
Bjs, amigo Filipe :)