Havia do tempo uma idade uma secreta
urgência uma ausência por habitar
Havia um passo estruturado percorrendo
Uma essência estrutural
Havia uma ideia
Uma utopia inebriada num lirismo de olhar
Depois vieram as chamas as farsas os dramas
A lírica tragédia de uma voz insana
Vieram os fogos os incêndios
a combustão
Invariadamente vieram vezes vazias vazias
várias vezes vieram
Onde havia um luminar andamento há agora um tropeçar
Medos arvoredos
relevos
Densos penosos profundos
Uma colisão de destroços que fissura as ruínas de um mundo devassado
Fragmentos sombrios absurdos vítreos num quebrar de
espelhos
Há uma descrença lenta que dentro adentra
Um outonal tremor de abandono
Um instável equilíbrio no desequilibro de um grito
Digo recolhimento num silenciar de tumultos e ascendo à lírica lucidez da loucura
Digo caminho num trilhar de palavras
e descendo à fulgente insânia que me sustenta
Ao limite do poema
Se é sombra o que escrevo se
negro é o tom do verso
Na sombra me inscrevo da escuridão me confesso se assim enegreci
Às vezes recuso às vezes refuto às vezes contesto
A labareda que cerca a insone lamúria o dolente infortúnio
A silenciosa indolência e a silente desistência
Este indigente perecimento ausente
informulado inabitado
Recuso este impercetível alinhamento de proposições
Este esboço de linguagem onde me resto palavra
Inflexo poema que não endireita
Palavra-fronteira talvez território
Se de mim já não depende
Se de mim se escapa
Recuso principalmente este canto confuso e esta verve perturbada
Esta oração na pena fecundada
Este letárgico dissenso em melancólica dissensão
Este tempo dizendo
nada
.
Podia ver neste poema um apocalipse
ResponderEliminarUm tempo que apenas existe cronologicamente,
Um tempo desumano, vazio, desprovido de alma(s)
Um tempo que desistiu de ser TEMPO
O pempo do ser
O tempo do sentir
O tempo da crença…
Existe agora o tempo
Do desvario
Do desnorte
Do sombrio…
O sujeito poético inscreve-se neste estado “enegrecido”, não porque o quisesse, mas porque assim o ditou o tempo da “descrença”.
(…)
Mas iniciei dizendo que podia ver no poema um apocalipse…Perto do final, recusa-lo veementemente…
Reitero a tua lúcida estrutura formal, a propriedade lexical, assim como a gradação de sentidos, num crescendo emocional no conjunto poema/musicalidade e a originalidade na forma como abordas esta temática.
Fabuloso, adensado pela declamação, fundo musical e imagem.
Precisas que te deixe os parabéns? Já os expressei…
Bjo, amigo Filipe :)
(Voltarei para comentar os que estão em falta…)
Apesar de reler o comentário ainda passou um lapso: tempo (5.ª linha). SE houver mais, deve-se ao adiantado da hora...
ResponderEliminar:) :)
Primeiro quero enfatizar a beleza do título: "Um Outonal Tremor de Abandono"
ResponderEliminarQue me remente a imagem poética das folhas do outono abandonadas,
que expressam uma dança de ritmo acelerado pelo maestro vento...
Na minha leitura, com o olhar de admiradora deste poeta que sempre as
suas palavras percorrem caminhos originais em conteúdo, forma
expressiva e beleza poética incomparável.
Possibilita a todos os leitores ver e sentir o mesmo poema
por vários ângulos interpretativos...
Assim,foi o meu sentir neste teu belíssimo e emocionante poema;
O tempo Primavera
"Havia uma ideia
Uma utopia inebriada num lirismo de olhar"
O tempo Verão
"A lírica tragédia de uma luz insana
Vieram os fogos os incêndios a combustão"
O tempo Outono
"Há uma descrença lenta que dentro adentra
Um outonal tremor do abandono
Um instável equilíbrio no desequilíbrio de um grito"
Adorei esta estação, senti o grito na dança das folhas...
O tempo Inverno
"Se é sombra o que escrevo se negro é o o tom do verso
Na sombra me inscrevo da escuridão me confesso se assim enegreci"
A musicalidade das quatros estações sentidas por mim neste teu poema,
foram harmonicamente declamada por ti, momento especial...
Bjo.
Era um encantado tempo
ResponderEliminarUm tempo que ansiava
O respirar
Nos sonhos a magia do impossível
A realidade abriu as portas
E com ela a verdade da mentira
As histórias que cedo demais
Se fizeram penosas memórias
Que ardem em esferas de mundos
Voam cinzas na alma
Apagam-se velas
A renúncia do sonho.
Se de dor é feito,
Mas, a recusa do verso.
E com ele a renúncia, que ainda diz,
Sonho…
Um poema, que me lembra o começo, quando vimos o mundo
Encantado, mas que a pouco e pouco, se desfaz, abrindo as cortinas.
Sem dúvida, belo assim como a leitura.
A tua poesia tem sempre algo de divino…
Beijinho
Querido Poeta
ResponderEliminarHá no teu poema um céu que se vestiu de cinza...ilusões que se diluíram no tempo como a espuma com que se tecem os sonhos.
E...que poderei dizer de algo tão sublime, de um momento que não há palavras que descrevam o que senti.
Calo-me e deixo um beijinho e a minha admiração.
Sonhadora
Deixo-lhe um título e um autor que tanto estimo.
ResponderEliminar"o homem que já não sou" de Valter Hugo Mãe.
É muito difícil escrever com as emoções na ponta dos dedos, mas já dizia o caríssimo Fernando Pessoa, que se sente com o pensamento.
Obrigada.
longas estações que não se repete... se endireitar estraga.
ResponderEliminarUfa! É preciso respirar, inspirar e expirar, caso contrário o poema me engole e nunca mais volto do estado de lisergia em que ele me deixou. Pois me levou a uma viagem inesperada, me deslocando totalmente do corpo, encheu-me de sensações primeiras e primárias, todas inicialmente sentidas na mente, só depois de um tempo, só depois de eu lê-lo mais de 5 vezes e ouvir-te tantas outras, e depois de um sem fim de vezes a sua voz se alastrar na alma, no corpo, é que saí do transe que ele me causou. Vivi uma extraordinária psicodelia poética!
ResponderEliminarHoje vivi muitos êxtases ao ler-te, ao senti-te, ao ouvir-te. Que grande impacto sobre mim, causou esse poema, o que já não é mais novidade, o caso é que a cada texto, seguido ou não da tua voz (com essa pitada de melancolia), dás outro movimento, outra velocidade à poesia, fazendo vibrar todos os meus sentidos.
Fiquei repetidas vezes ouvindo e lendo a primeira frase, e deti-me nesse fragmento: "uma secreta urgência", e dialoguei comigo mesma do significado das cumplicidades, ou daquilo que só a nós pertence, de um segredo que alimenta tantos sonhos, tantos anseios - e refuta um cotidiano que muitas vezes destrói a nossa a utopia -, os altos e baixos, os dramas, as tramas da vida. E vou enchendo os olhos dos vazios que reclamas, anotando os medos, e contabilizando o fardo desses temores, guardando-os para quando o outono chegar, e é no limiar do poema que eu também me descrevo, e vivo a emoção na tua emoção, incontestavelmente!
E assinalo aqui que a minha compreensão do poema é a subjetividade que fala, o meu eu-lírico que se inspira no seu, é a minha apropriação da poesia, pois ela agora é de todos que sentem-na, que vivem-na, na pele, na alma, no coração. Já não é apenas tua, mas multiplicada nas nossas interpretações e emoções.Vivi todas as estações ao mesmo tempo!
Um beijo!
Filipe,
ResponderEliminarImpossível não sentir a avassaladora força das suas palavras que, parecendo negras, intensamente esgrimem para afastar o negro.
Abraço
Este, caro Filipe, é daqueles que nos deixa sem vontade, de retornar à superfície.
ResponderEliminarVoltarei por ele, várias vezes, estou certo...
Abraço!