sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

CONTRA-CORRENTE (Uma Neurótica e Autocrítica Proposta Linguística para uma Neo Linguagem)





(Leitura de Ana Celeste Ferreira
a quem muito agradeço a honra e o privilégio)





Poderia retomar do verso singular a sua singular simplicidade
Abdicar da intangível abstracção que não se alcança
Renunciar à morfológica anatomia de uma linguagem  
Cessar este recurvado curso contra a corrente


Poderia desconstruir-me numa estrófica desconstrução
Sucumbir à singularidade linguística de um neo-poema
Fraccionar o verso-
- uno numa dualidade de linhas fragmentadas
Render-me ao objecto concrecto da antístrofe  
(Objectivamente ceder)


Poderia resgatar       talvez até instintivamente     a instintiva percepção de uma rima-refrão
Recuperar    quem sabe      a sonoridade interior de uma canção entristecida


E, talvez, a vírgula devolver ao devoluto lugar,
(ponto final não)
Pontuar assim os sinais, acentuando-me,  
Desobstruir-me ocupando o espaço,
Assinalar as dúbias reticências de uma grafia abatida


A propósito de uma proposição, (...),
Previamente prescindir da prévia representação
Desnudar todas as hipérboles, descerrar todas as metáforas,
Prosar-me, sem ênfase, num poema pós contemporâneo


E em concrecto escrever-me num concreto neologismo lexical,
Erguer-me na erudita vanguarda de uma imagética retirada,
Circunscrever o exacerbado excesso à exacta dimensão da palavra


Talvez assim, pudesse ser finalmente poeta
E, então, num translucente verso-dizer-te
O que poderíamos Ser


13 comentários:

  1. Talvez....
    poeta....

    artesão de metáforas

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  2. meu querido Poeta

    Por vezes as entrelinhas constroem o poema e a palavra toma a medida exacta do ser.
    Como sempre as palavras falham para comentar o que só o poeta consegue entender.

    Um beijinho
    Sonhadora

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  3. De verso em verso, vamos mergulhando na poesia, na densidade da sua composição. Em um túnel de informações, com quebras e retomadas do ritmo, da intensidade, voz & fala (considerando que não sejam a mesma coisa); desenho & signo: significados & significâncias, por mais que seu desejo, pulverizado ao longo da construção do poema, ou ao menos a leitura que ousei fazer da "phoné e da poiésis", seja o de abrir mão dos objetivos (?) comunicativos e de todas as regras da escrita, dando uma insubordinção ao poema, e nos conduzindo a caminhos onde ninguém mais foi, onde ninguém jamais pensou, com ou sem "rima-refrão", cada novo texto é inaugural, na forma, no conteúdo e na emoção, isso eu não nego jamais!
    Quantas vozes e intenções nos trazes? O que lhe confere o caráter de grande poeta: o inexplicável e a dicotomia na sua escrita, Filipe.
    Não passamos por aqui sem experimentarmos "os sabores e os saberes poéticos" da sua pena, sem percebermos a sacralização da sua arte, nesse fazer cuidadoso da escrita, com as palavras - a ortografia - , as concordâncias, a pontuação.
    Um esmero morfológico e sintático, fazendo uso da palavra que encanta, a palavra cantada - e a palavra impronunciada no silêncio de um murmúrio que escapa dos meus lábios e que se "materializa" aqui: so-ber-bo, Filipe!
    Todo o poema é desenhado, talhado, burilado com sofisticado esmero, algumas estrofes nos levam sempre ao ponto de partida, numa tentativa de recuperar o fôlego, e recompor a emoção, mas escolho o fragmento abaixo, porque ilustra muitas vezes o que também sinto:
    "Talvez assim, pudesse ser finalmente poeta
    E, então, num translucente verso-dizer-te
    O que poderíamos Ser".
    “On s’entend bien”, merci, Filipe, merci!
    Bisou!
    ;))

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  4. Palavras com destino e vestidas de quereres inteiros.

    beijo

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  5. Podia ser a simples
    Linha a linha
    A palavra compreensível
    O princípio
    Sem redundâncias

    Ter na palavra a exactidão
    Objectiva, de ser o que não sou.
    (e isso nunca!)
    Ser simples na simplicidade
    De um verso sem som

    Ser lugar sem sentir
    Mas não…

    Talvez, se fosse simples
    Seria fácil
    Ser o corpo de um poema, só…
    Sem excesso

    E fazendo-se luz “dizer-te”
    A verdadeira poesia.


    Um poema sem dúvida com dualidade,
    Encontrada por todos os versos
    Digo este ser um poema sobre a poesia
    E a “poesia da vida”

    E as suas complexidades,

    Onde demonstras bem tua escrita

    Que nos deixa perplexos do teu talento.

    Excelente e belo.
    Beijinho

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  6. Não basta ser artesão de metáforas... "ser poeta é ser maior" " e mais do que se medir entre os seus iguais ...é sentir cada verso...cada rima... é estar à mesa e partilhar e comungar a mesma chama, a mesma prece .... sabendo por onde vai... sem nunca se perder na rama das metáforas, nos meros trocadilhos dos enfeites . ..___Bjo

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  7. Bem, poderia discorrer sobre o que fui sentido ao longo da leitura do poema…Poderia dizer que fui sentindo uma musicalidade na composição da pauta de palavras de rima interna e repetição de letras…Poderia dizer que a fluidez argumentativa , como alguém que defende acerrimamente a vítima inocente, se compraz no seu próprio deslumbramento pelo resultado que vê nas expressões faciais do “público”…Poderia dizer que subentendi uma espécie de jogo entre o pensar sobre o verso ou a sua construção e o que afinal resulta do que escreveste …
    Poderia dizer que, mesmo que quisesses a tal simplicidade, o verso nu, sendo afinal “poeta”, a verdade é que não serias tu…
    Em suma, poderia dizer o que afinal disse!
    Quem julga são os leitores e por mais definições ou abordagens que faças/ façamos, não se consegue ou deve definir poesia…
    Uma forma muito subtil de questionar o verso. Tal como o vento, não te ouviu e o verso fez-se poema. Excelente, inteligente, meticuloso (com tudo o mais que venho dizendo nos comentários). E, sobretudo, sem uma mestria do significado lexical – uma das tuas marcas na poietica – não haveria a literariedade que revelas no que escreves.
    Cumprimento-te…
    Bjo, amigo Filipe :)

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  8. Poderia, mas quem iria construir as avenidas em meu pensamento?

    Sempre belo.

    Beijinhos.

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  9. Gosto desta escrita ( e de mais algumas, as que li até agora) concreta! Palavras de rigor e à solta, buriladas, detalhes pontuados e claramente visíveis. Distintos. Percorrem-se os versos e fazem-me cogitar enquanto se sai num voo de espanto e rebeldia, de saberes e sentimentos.

    Obrigado pela partilha, vou ficar a lê-lo.

    aka "Água das Pedras"

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  10. Grata pela entrada magistral no verso
    é sempre um risco apetecível... o isco da tentação
    invadir o verso? porque não?
    na tentativa de retirar o pano e visualizar o côncavo...
    e até rasgar o verso... crucificá-lo...porque não?
    doce tentação... ampliar a miopia...
    mas há vapores, fumos e florestas densamente povoadas...
    nem lanças, nem pinças, nem machados ...
    e depois o céu cadavérico comove, as sílabas trémulas...
    mais vale render-se ao denso cru e sem grandes perturbações apreciar
    longamente o lugar que se pisou...

    A sua profunda dissertação inspirou-me, foi tão excelente quanto o poema ...há sempre uma certa transparência que nos desperta a curiosidade ...e os abismos, embora convidativos intimidam sempre_____Bjo

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  11. Volto ao poema e encontro,
    A mesma beleza da tua escrita
    Sublimada, por uma excelente declamação
    Ritmada
    Pausada
    Numa voz que contempla todo o poema,
    Dando-lhe todo um corpo.

    Gostei mesmo muito.
    Beijinho

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  12. Regresso e nunca sei de onde venho.
    Quando chego aqui, encontro-me num poema magistralmente dito, proféticamente escrito.
    E na geometria do distinto abstracto, no concreto e definido, repito-TE:

    és poeta maior que o Universo cem pontos, sim cem, milhares pontos infinitos.

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  13. A poesia é uma linguagem que não se prende a representação, então abre para a possibilidade do SER emergir!

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