Não compreenderás a
misteriosa fraqueza (que te confronta)
Não reconhecerás sequer o
rosto
Não distinguirás, em
difusa bruma, nenhuma utopia (evidente)
Nem uma única aspiração
Entenderás que existes,
existes apenas,
E que, brevemente, também
essa existente continuidade cessará
Sentirás, então, que
presságio algum te estava destinado
E que era a ti, somente,
que incumbia determinar o caminho
(Exceptuando, talvez, os
contornos dos atalhos incontornáveis)
Perceberás, tardiamente,
a instabilidade do percurso que percorreste
Escutarás o progressivo
ruir dos territórios (que não poderás deter)
A iminente insurgência de
um tempo absurdo
Como Sartre, compreenderás
a frágil existência do destino figurado
Ser Nada, senão a razão dialéctica de uma responsabilidade crítica
Recordarás, enternecido,
a candura inaugural
E, por um brevíssimo
momento, serás o tempo pleno
A remota idade, a vida remotamente
feliz
A época precedente à
divergência das faces
Perceberás, mais tarde, a
debilidade do sonho humano
Sentirás o progressivo desfazer
dos fragmentos (que não saberás reter)
O gradual elevar do rosto
inanimado
O levantamento de um
tempo onde nenhum regressivo caminhar Te poderá regressar
Da vergada silhueta que (unicamente)
subsistirá
Não reconhecerás sequer o rosto
Acabaste de escrever um Grande Poema e penso que terás noção disso.
ResponderEliminarNão encontro qualquer verso “desfasado”, parecendo estar tudo criteriosamente “encaixado” numa estrutura maior (a do poema) na qual cada verso desempenha o seu próprio lugar.
Para mim, é um dos teus melhores poemas de sempre.
Conseguiste conjugar a complexidade (do tema, das referências) com uma simplicidade formal e rítmica estonteante. E isso nota-se, não só na tua declamação, como no grafismo do poema: é um poema de “fácil” leitura, o que não quer dizer de “fácil” absorção em toda a sua amplitude.
Os versos seguem-se de um modo natural. Não há quebras. A mensagem do poema é um crescendo que se vai construindo verso a verso.
É difícil destacar um trecho do teu poema, porque cada trecho é, na verdade, composto por todos os anteriores. Como numa onda
E, no final, a onda decai, naturalmente. Como o corpo vergado de um Homem que é o de todos os Homens do mundo.
Parafraseando Nietzsche, o poema é “Humano, Demasiado Humano”, estabelecendo um contacto Homem vs Homem de uma intensidade verdadeiramente arrepiante.
Obrigada pelo arrebatamento que a leitura deste poema me proporcionou.
Bj
Carolina M.
Esse texto só é possível existir sem nos engolir, se mergulharmos nele em toda a sua extensão.
ResponderEliminarA sensação que tive ao lê-lo é de que profundas águas nos envolvem e nos puxam para dentro de cada substancia que formam as gotas e vamos nos debatendo, tentando sobreviver à força dos versos, que claramente nos lança ao rosto a nossa condição de mortais e breves passageiros do tempo!
Belo, como tudo que escreves, beijo, Filipe!
;))
Um caminho que se percorre na exactidão da existência
ResponderEliminarInvisível á percepção,
Será invisível toque
Um nevoeiro que surge pouco a pouco
Toldando o caminho em incerto lugar
Tornam-se estreitos os caminhos
As ruas ruem
E é tarde
Agora restam os segundos contados
Em que “nada ser” é de novo sentir
Todos os erros
Todos os sonhos
Todos os risos
Um poema forte e expressivo
Gostei imenso
Beijinho
Por vezes movemo-nos, apenas, num alheamento propositado, como se tomarmos consciência do que somos, do que poderíamos ser e fazer, nos seja penoso: na verdade, ousar a afirmação de nós, é um caminho que poucos se atrevem a percorrer. Apesar de sabermos da efemeridade da vida, não a pautamos, a meu ver, partindo dessa constatação. Daí, o arrependimento não ter razão de ser. A vida são instantes…
ResponderEliminarUm poema profundo, de extraordinária lucidez e beleza formal.
E, já sabes, um gosto imenso em mergulhar na tua escrita…
Bjo, Filipe :)