sexta-feira, 26 de junho de 2015

A Misteriosa Fraqueza do Rosto Humano


Não compreenderás a misteriosa fraqueza (que te confronta)
Não reconhecerás sequer o rosto

Não distinguirás, em difusa bruma, nenhuma utopia (evidente)
Nem uma única aspiração

Entenderás que existes, existes apenas, 
E que, brevemente, também essa existente continuidade cessará

Sentirás, então, que presságio algum te estava destinado
E que era a ti, somente, que incumbia determinar o caminho
(Exceptuando, talvez, os contornos dos atalhos incontornáveis)

Perceberás, tardiamente, a instabilidade do percurso que percorreste
Escutarás o progressivo ruir dos territórios (que não poderás deter)
A iminente insurgência de um tempo absurdo

Como Sartre, compreenderás a frágil existência do destino figurado
Ser Nada, senão a razão dialéctica de uma responsabilidade crítica

Recordarás, enternecido, a candura inaugural
E, por um brevíssimo momento, serás o tempo pleno
A remota idade, a vida remotamente feliz 
A época precedente à divergência das faces

Perceberás, mais tarde, a debilidade do sonho humano
Sentirás o progressivo desfazer dos fragmentos (que não saberás reter)
O gradual elevar do rosto inanimado

O levantamento de um tempo onde nenhum regressivo caminhar Te poderá regressar

Da vergada silhueta que (unicamente) subsistirá  
Não reconhecerás sequer o rosto






4 comentários:

  1. Acabaste de escrever um Grande Poema e penso que terás noção disso.
    Não encontro qualquer verso “desfasado”, parecendo estar tudo criteriosamente “encaixado” numa estrutura maior (a do poema) na qual cada verso desempenha o seu próprio lugar.
    Para mim, é um dos teus melhores poemas de sempre.
    Conseguiste conjugar a complexidade (do tema, das referências) com uma simplicidade formal e rítmica estonteante. E isso nota-se, não só na tua declamação, como no grafismo do poema: é um poema de “fácil” leitura, o que não quer dizer de “fácil” absorção em toda a sua amplitude.
    Os versos seguem-se de um modo natural. Não há quebras. A mensagem do poema é um crescendo que se vai construindo verso a verso.
    É difícil destacar um trecho do teu poema, porque cada trecho é, na verdade, composto por todos os anteriores. Como numa onda
    E, no final, a onda decai, naturalmente. Como o corpo vergado de um Homem que é o de todos os Homens do mundo.
    Parafraseando Nietzsche, o poema é “Humano, Demasiado Humano”, estabelecendo um contacto Homem vs Homem de uma intensidade verdadeiramente arrepiante.
    Obrigada pelo arrebatamento que a leitura deste poema me proporcionou.

    Bj

    Carolina M.

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  2. Esse texto só é possível existir sem nos engolir, se mergulharmos nele em toda a sua extensão.

    A sensação que tive ao lê-lo é de que profundas águas nos envolvem e nos puxam para dentro de cada substancia que formam as gotas e vamos nos debatendo, tentando sobreviver à força dos versos, que claramente nos lança ao rosto a nossa condição de mortais e breves passageiros do tempo!

    Belo, como tudo que escreves, beijo, Filipe!

    ;))

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  3. Um caminho que se percorre na exactidão da existência
    Invisível á percepção,
    Será invisível toque
    Um nevoeiro que surge pouco a pouco
    Toldando o caminho em incerto lugar
    Tornam-se estreitos os caminhos
    As ruas ruem
    E é tarde
    Agora restam os segundos contados
    Em que “nada ser” é de novo sentir
    Todos os erros
    Todos os sonhos
    Todos os risos

    Um poema forte e expressivo

    Gostei imenso
    Beijinho

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  4. Por vezes movemo-nos, apenas, num alheamento propositado, como se tomarmos consciência do que somos, do que poderíamos ser e fazer, nos seja penoso: na verdade, ousar a afirmação de nós, é um caminho que poucos se atrevem a percorrer. Apesar de sabermos da efemeridade da vida, não a pautamos, a meu ver, partindo dessa constatação. Daí, o arrependimento não ter razão de ser. A vida são instantes…
    Um poema profundo, de extraordinária lucidez e beleza formal.
    E, já sabes, um gosto imenso em mergulhar na tua escrita…
    Bjo, Filipe :)

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