sábado, 16 de outubro de 2010

Tempo-Ampulheta







____________________________________________________________________________



                                                       Tempo-Ampulheta




Cedo cedi ao mundo as madrugadas
E à noite me entreguei em sombra.
Do mundo queria todos os sonhos
E todos se perderam.
Cinza na ruína dos dias

E assim, que fazer de mim?

Apavora-me
O ruído das fontes
O marulhar das horas
O gotejar do tempo
Passando impassível
Sem me olhar
Sem escutar meu grito
Sem tocar meu choro

E assim, que fazer de mim?

A idade decompõe-se.
 Fracções.
Instantes.
A memória multiplica os dias.
Lugar semi-breve
Marcado em mim.
O espaço-tempo converge e colapsa.
Sufoca-me
O Espaço.
Excede-me
O tempo.
Não sou mais
que um
ponto
.
S
                        O
                                                                            N
                  H
O
.
.
.
Como areia escorrem letras,
Estilhaços.
Versos de vidro e de aço.
Instável
O solo que sustem os dias.
Volátil
O chão que suporta os passos.
Este tempo que me torna
Palavra de pedra
Ânfora quebrada
Desalinhado linho.

Estremeço.
Como se fosse tempo
Recém-chegado,
Como se fosse dor
Recém-nascida
Em permanentes águas.

Bago de uva sem rosa
Meu corpo-urze.
Aro de fogo circular
Cingindo meu redundante pensar.

E assim, que fazer de mim?

10 comentários:

  1. Pensar que um momento divide um ponto e que esse ponto seja um foco direccionado para um pensar que abrigue todas as tempestades e faça delas momentos novos a quebrar os tempos mortos

    Que faço com as tuas palavras?
    Que faço quando te leio e viajo para outros lugares distantes, onde te sei sempre?
    Que me dizes se eu te pedir que me leves como um ponto esquecido no meu universo de pontos?

    E assim que fazer de nós?

    Tu és fantástico...sabes como te gosto

    beijo

    ResponderEliminar
  2. Poeta
    Em silêncio escutei este grito profundo.

    Apavora-me
    O ruído das fontes
    O marulhar das horas
    O gotejar do tempo
    Passando impassível
    Sem me olhar
    Sem escutar meu grito
    Sem tocar meu choro

    Tocou-me

    Beijo
    Sonhadora

    ResponderEliminar
  3. Que fazer de nós? o corpo-urze, o tempo dá um significado ao grito, ao inverno, às orações...

    é fantástico ler-te

    P.S. Desculpa o silêncio, não quer dizer que não te leia, que não te goste (amigo)...sou apenas eu.

    ResponderEliminar
  4. Há, por vezes, uma bela e feliz perplexidade, diante de momentos que nos extasiam, afugentando palavras; há momentos em que o silêncio basta.
    Não, não quero arriscar-me com palavras e correr o risco de quebrar esse encantamento que me envolve ao ler o teu poema. Por isso, apenas, me calo. Por profunda admiração e respeito.
    Abraços.

    ResponderEliminar
  5. A brevidade das palavras e a extensão das frases, o murmúrio dos sons e o grito do eco, a realidade a fantasia a dor que anestesia o ser o passar de mais um dia, o sufoco de carregar o esgar das noites e o pesar dos dias e os sonhos esses desfeitos…utopias!

    Estou bem e tu?

    Beijinhos gandes:)

    I

    ResponderEliminar
  6. Caro Felipe, sua visita é sempre motivo de alegria e orgulho. Abraços, Pedro.

    ResponderEliminar
  7. Sei que nesse peito de herói, os sonhos nunca morrem.

    Sei que o silêncio é um lugar onde te encontras com o renascimento da (tua) alma.

    Sei que não tenho palavras para te dizer como gostei especialmente da forma deste poema.
    E que mesmo quando não sabemos o que fazer conosco, há sempre alguém que sabe e nos agurada na sombra do Sol que espreita pelos nosso olhar entreaberto.

    Sei que, mesmo não sabendo, por vezes onde ando...me encontro aqui.

    Um beijo de gostar muito.

    ResponderEliminar
  8. O POETA CHEGOU AO PONTO no espaço. Aro de fogo circular.
    Parabéns!

    ResponderEliminar
  9. O tempo é implacável e mesmo a memória daquilo que já foi pode não ser suficiente para nos permitir lidar com o que virá. A noção de que somos demasiado pequenos e incapazes de lidar com aquilo que cada dia nos traz (a volatilidade do chão, inconstância do solo, desilusão de sonhos não cumpridos...) pode fazer nascer muitas dúvidas em nós, é certo. Não diria que o sujeito poético é só um ponto, mas sim um grande ponto de interrogação, como todos nós nos tornamos a certa altura.

    ResponderEliminar
  10. Que LINDO!!!

    (Tinha tantas saudades de te ler...)

    beijinho mto gde, Poeta querido :)

    ResponderEliminar