Um pensamento último antediz o silêncio
Antedizendo os tempos longos, densos, pesados
A morte morre sempre lentamente e a ausência nunca é só
Sobrevivem viventes memórias num pesar perseverante
Avivando num olhar doído a dor d´esvaído olhar
Subsistem instantes supostamente decaídos
Infindavelmente revividos em dividido tempo
A inexistência é súbita
Numa pluralidade d´ausências, subitamente é presencial
Na irrevogável privação da imortalidade
No interior de um tempo irreversível
Na tessitura de sobrevir sem sentido
Se reescreve, póstuma
A desavença da incidental sobrevivência
Antedizendo os tempos longos, densos, pesados
A morte morre sempre lentamente e a ausência nunca é só
Sobrevivem viventes memórias num pesar perseverante
Avivando num olhar doído a dor d´esvaído olhar
Subsistem instantes supostamente decaídos
Infindavelmente revividos em dividido tempo
A inexistência é súbita
Numa pluralidade d´ausências, subitamente é presencial
Na irrevogável privação da imortalidade
No interior de um tempo irreversível
Na tessitura de sobrevir sem sentido
Se reescreve, póstuma
A desavença da incidental sobrevivência
A finitude de um ser humano pressupõe que haja sempre uma última palavra, um último gesto, um último pensamento, precedendo um tempo onde o Tempo o deixa de conter.
ResponderEliminarNo primeiro verso, destaca-se esse pensamento derradeiro.
Diz-se, também, que o tempo que lhe segue é um tempo de “silêncio”: não porque o tempo deixe de se fazer ouvir, prosseguindo invariavelmente no seu ritmo indiferente e ruidoso, mas porque é chegado o tempo do lamento, do luto, do desconsolo.
Nesse “silêncio”, o Tempo é sentido como infinito, já que o que dele provém são “tempos longos, densos, pesados” como se este se houvesse multiplicado em infinitas fracções: todas elas contribuindo para a sua aparente infinidade sobre o ser humano em cujo pesar incide, esmagado pelo peso dos “tempos” que, do Tempo, provêm.
O terceiro verso reforça a visão que defendo sobre o que originou esta multiplicidade de “tempos longos, densos, pesados”, uma vez que afirma que “a morte morre sempre lentamente”, ou seja, que a morte se sucede pouco a pouco e a todo o momento: como se a morte existisse inicialmente sob a forma de uma semente incorporada em nós (a partir do momento em que Somos) e, pouco a pouco, se fosse revelando ao ir “morrendo” dentro de nós, isto é, ao se ir alastrando como uma teia, tornando-se no que efectivamente é.
Esta morte, diz-nos o verso, acarreta mais do que uma “ausência”: a “ausência” de quem a morte toma e a “ausência” que fica naqueles cuja morte, de alguém conhecido, afecta.
O que sobra, então, de um cenário tão denso e pesado como este?
“Sobrevivem viventes memórias” deste pesar que persiste, responde-nos o verso.
E, ironicamente, estas memórias “avivam” no “olhar doído” a “dor d’esvaído olhar”. Ou seja, as memórias ao “avivarem” a dor estão, na verdade, a desfalecer o olhar, que já não olha - ou, mais precisamente, que já não consegue olhar porque já se encontra “doído” quando as memórias surgem para “avivarem” a sua dor.
Provavelmente, quando as “viventes memórias” surgem, o olhar já se encontra “virado para dentro”, focado na sua dor, totalmente esbatido, indiferente para com o que o rodeia, logo “esvaído”.
Apesar de não avivarem o olhar, as memórias devolvem ao olhar “instantes supostamente decaídos” que são “infindavelmente revividos em dividido tempo” (e aqui voltamos a estar perante um tempo infinito devido à sua infinita divisão).
O Tempo torna-se discreto, dividido, entrecortado.
Há a quebra de um fio condutor, de uma continuidade, de um sentido. Porque, dizem-nos os dois versos seguintes:
“A inexistência é súbita
Numa pluralidade d´ausências, subitamente é presencial”
A oposição destes versos é arrebatadora. Se, por um lado se diz que a inexistência é “súbita”, por outro diz-se que a inexistência é uma “pluralidade d’ausências” que “subitamente” se torna “presencial”.
O final deste poema funciona como um lamento, de índole niilista, pela “irrevogável privação da imortalidade”. Ainda assim, o verso sobrevém, mesmo que póstumo, acentuando a “desavença da incidental sobrevivência”, dando a entender que, apesar da aparente existência “sem sentido”, o poema, em si, tem um sentido – e bem definido. Com uma mensagem clara e uma escrita límpida, expressando o pesar de tudo quanto é fortuito e imprevisível, isto é, “Incidental” (como o título certamente o não é).
Carolina M.
Será sempre “incidental” mas poderá sempre teorizar-se sobre o sentir perante a ausência iminente e os sentimentos que se instalam no “sobrevivente”. E restam as memórias. Nelas o ausente nunca será ausência.
ResponderEliminarComo sempre, um poema bem estruturado, cuidado, quase silogístico, onde a aliteração intraverso serve a (aparente) ideia paradoxal.
E, como sempre, gosto de me entranhar no teu superior pensamento.
BJO, Filipe :)
(Parabéns à Carolina M. pela excelente análise , que, obviamente, subscrevo.)